E o produtor musical, reunido com o grupo, diz:
- Temos que reformular. Vou fazer algumas mudanças na banda.
- Que tipo de mudança? - questionou o tecladista.
- Geral! Mas vamos por partes. Inicialmente, vamos mudar a letra da última composição. Eliminaremos a primeira estrofe. Ela não é necessária!
- Mas sem ela a letra não fará sentido - advertiu o vocalista, compositor da canção em questão. Além disso, demorei à beça para inserir esse paradoxo aí dos primeiros versos.
- Paradoxo? Você acha que alguém vai perceber paradoxos? Não é necessário. Vamos tirar também o último verso da segunda estrofe.
- O quê?!? - espantou-se o baterista. Não dá, a palavra “amor” no segundo verso vai rimar com o quê?
- Basta inserir umas vogais soltas: “i-lei-ô”, “ôô”... pronto, rimou. No refrão vamos tirar as duas últimas partes e substituí-las por “i-lei-á” “aa”. Fica bem melhor! Reparei também que as concordâncias estão corretas. Assim não dá! Sem erro de concordância é inaceitável!
Outra coisa: vamos suprimir o solo da guitarra. Não é necessário!
- Mas sem o s...
- Ninguém quer saber disso. Não é necessário.
- Mas a música vai ficar muito curta com esses cortes – argumentaram todos.
- A gente repete as estrofes duas vezes cada uma e o refrão ad infinitum. Ah, vamos trocar as backing vocals também.
- Por quê?!? - irritou-se o vocalista, que muito apreciava as meninas.
- Elas não têm o perfil.
- Como não? Uma é formada em canto lírico, a outra tem anos de experiência em corais gospel do Harlem.
- E alguém percebe isso? Não é necessário! Elas não têm o perfil. Vamos colocar duas meninas que eu vi numa academia aqui perto. São bombadas, coxas grossas, peitos e bundas abundantes. Já decidi.
- Mas elas cantam? - reagiu o baterista.
- Não é necessário! O play-back existe pra isso. Importante é que rebolem, desçam até o chão.
- Mas quem conhece nosso trabalho não vai gostar - protestou o baixista.
- Todo mundo gosta. Até porque se disser que não gosta, fica queimado na foto. É tachado de preconceituoso, chato, velho ou esclerosado. Não pega bem discriminar o trabalho dos outros.
- Mas as pessoas têm o direito de não gostar! - insistiu inconformado.
- Não têm! Principalmente se a gente conseguir elogios de algumas celebridades. Já planejei tudo. Primeiro, vamos dizer que vocês passaram fome na infância. Moravam na favela e superaram as dificuldades de forma honesta. Aliás, você meu caro tecladista, por ser neg..., quer dizer, afrodescendente, não pode continuar com esse cabelo natural. Ou passa máquina zero ou pinta de amarelo meio branco.
- O que o meu cabelo tem a ver com a banda?
- Tudo! A aparência é tudo! Ah, e pelo menos dois de vocês têm que exibir uma tatuagem. E todos irão frequentar academia e aulas de dança.
Em silêncio e estupefatos, os músicos tentavam assimilar as informações quando o produtor finalizou:
- Depois, vamos participar do programa da Regina Casé, fundamental para que as pessoas tenham receio de falar mal do grupo. Além disso, vamos regravar um sucesso do Roberto Carlos ou do Chico Buarque e vamos participar do carnaval de Salvador. E, por último, vamos convidar a Ivete Sangalo para uma participação especial no nosso DVD. Tudo isso é necessário!
Taí mais do que ninguém um exemplo tanto no pessoal quanto no profissional!