quinta-feira, 10 de março de 2011

Tira o pé do chão!

E o produtor musical, reunido com o grupo, diz:

- Temos que reformular. Vou fazer algumas mudanças na banda.

- Que tipo de mudança? - questionou o tecladista.

- Geral! Mas vamos por partes. Inicialmente, vamos mudar a letra da última composição. Eliminaremos a primeira estrofe. Ela não é necessária!

- Mas sem ela a letra não fará sentido - advertiu o vocalista, compositor da canção em questão. Além disso, demorei à beça para inserir esse paradoxo aí dos primeiros versos.

- Paradoxo? Você acha que alguém vai perceber paradoxos? Não é necessário. Vamos tirar também o último verso da segunda estrofe.

- O quê?!? - espantou-se o baterista. Não dá, a palavra “amor” no segundo verso vai rimar com o quê?

- Basta inserir umas vogais soltas: “i-lei-ô”, “ôô”... pronto, rimou. No refrão vamos tirar as duas últimas partes e substituí-las por “i-lei-á” “aa”. Fica bem melhor! Reparei também que as concordâncias estão corretas. Assim não dá! Sem erro de concordância é inaceitável!

Outra coisa: vamos suprimir o solo da guitarra. Não é necessário!

- Mas sem o s...

- Ninguém quer saber disso. Não é necessário.

- Mas a música vai ficar muito curta com esses cortes – argumentaram todos.

- A gente repete as estrofes duas vezes cada uma e o refrão ad infinitum. Ah, vamos trocar as backing vocals também.

- Por quê?!? - irritou-se o vocalista, que muito apreciava as meninas.

- Elas não têm o perfil.

- Como não? Uma é formada em canto lírico, a outra tem anos de experiência em corais gospel do Harlem.

- E alguém percebe isso? Não é necessário! Elas não têm o perfil. Vamos colocar duas meninas que eu vi numa academia aqui perto. São bombadas, coxas grossas, peitos e bundas abundantes. Já decidi.

- Mas elas cantam? - reagiu o baterista.

- Não é necessário! O play-back existe pra isso. Importante é que rebolem, desçam até o chão.

- Mas quem conhece nosso trabalho não vai gostar - protestou o baixista.

- Todo mundo gosta. Até porque se disser que não gosta, fica queimado na foto. É tachado de preconceituoso, chato, velho ou esclerosado. Não pega bem discriminar o trabalho dos outros.

- Mas as pessoas têm o direito de não gostar! - insistiu inconformado.

- Não têm! Principalmente se a gente conseguir elogios de algumas celebridades. Já planejei tudo. Primeiro, vamos dizer que vocês passaram fome na infância. Moravam na favela e superaram as dificuldades de forma honesta. Aliás, você meu caro tecladista, por ser neg..., quer dizer, afrodescendente, não pode continuar com esse cabelo natural. Ou passa máquina zero ou pinta de amarelo meio branco.

- O que o meu cabelo tem a ver com a banda?

- Tudo! A aparência é tudo! Ah, e pelo menos dois de vocês têm que exibir uma tatuagem. E todos irão frequentar academia e aulas de dança.

Em silêncio e estupefatos, os músicos tentavam assimilar as informações quando o produtor finalizou:

- Depois, vamos participar do programa da Regina Casé, fundamental para que as pessoas tenham receio de falar mal do grupo. Além disso, vamos regravar um sucesso do Roberto Carlos ou do Chico Buarque e vamos participar do carnaval de Salvador. E, por último, vamos convidar a Ivete Sangalo para uma participação especial no nosso DVD. Tudo isso é necessário!

Taí mais do que ninguém um exemplo tanto no pessoal quanto no profissional!

quinta-feira, 3 de março de 2011

G.R.E.S. Unidos da Ignorância

Poucas sensações são tão desagradáveis quanto a de ficar sem saber o que dizer numa roda. O assunto flui, as pessoas expõem suas teses e nós ali, parecendo um enfeite, sem o que falar. Quando o nosso silêncio é fruto de uma simples vontade de não emitir opinião, tudo bem; mas quando a falta de manifestação é consequência do fato de ignorarmos o tema em questão, a vontade de ir embora parece não ter fim!

No carnaval, eu me sinto um ignorante. Quando vejo os desfiles das escolas de samba, não consigo enxergar um milésimo daquilo que os especialistas comentam na transmissão.

O espetáculo é bonito. Muito! Mas – vejam o tamanho da minha ignorância – não percebo muita diferença entre um desfile e outro. Eu admiro os jurados. Como são inteligentes! A ponto de conceder, por exemplo, uma nota 9,25 no quesito alegoria. Ah se eu soubesse o que representa falhar 0,75 na alegoria de um desfile! Alguém poderia me ajudar? O mais difícil para mim é o samba enredo. Na boa? Com raríssimas exceções, são todos iguais ou eu sou muito burro.

Quase todos falam de crença, história, natureza, colonização... E tome letra com “Iemanjá”, “Mãe África”, “Ziriguidum”, “Iansã”, “Sol”. “Estrela-Guia”, e – principalmente – “liberdade”. Letra de samba enredo sem a palavra “liberdade” é igual a deputado honesto: a gente nunca sabe se existe. Isso sem falar no nome da música. Parece que é proibido nome curto. Vem aí a escola favorita com o samba “Se o sol não nascer e Tupã não morrer, meu amor vai brilhar na magia celeste que vai encantar”!

Além da letra, tem o arranjo. Eu tento, mas é difícil: qual a diferença entre a levada do samba da Porto da Pedra em 2002 e a da Vila Isabel em 2006? Ou entre a Imperatriz de 98 e a Portela de 2003? Rola uma quase certeza de que se trocarem os sambas, ninguém vai notar. Por exemplo: desfile da Mocidade, todos prontos para o início. Problemas no som. O tempo passa. Os integrantes da bateria passam mal. Ah, põe o samba enredo do ano retrasado em “pleibeque” e fica tudo certo...

Como dói a ignorância!