quarta-feira, 5 de maio de 2010

Em nome de Deus

No episódio envolvendo os jogadores do Santos numa visita ao Lar Espírita Mensageiros da Luz, que cuida de crianças com paralisia cerebral, para entregar ovos de Páscoa, uma parte dos atletas, entre eles, Robinho, Neymar, Ganso e Fabio Costa, se recusou a entrar na entidade e preferiu ficar dentro do ônibus do clube, sob a alegação de que são evangélicos e não sabiam que se tratava de uma casa espírita.

Os meninos da Vila pisaram na bola. Mas prefiro sair em sua defesa. Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso cada vez mais me convenço de que o Cristianismo implica a superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião.

A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé.

A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e cada uma das tradições de fé.

Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno, ou se Deus é a favor ou contra à prática do homossexualismo, ou mesmo se você tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, você está discutindo religião. Quando você começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo religião. Quando você fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está discutindo religião.

O problema é que toda vez que você discute religião você afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de Allá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir enquanto outros e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus.

Mas quando você concentra sua atenção e ação, sua práxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas.

E quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz. Os valores espirituais agregam pessoas, aproximam os diferentes, fazem com que os discordantes no mundo das crenças se deem as mãos no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião.

Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade que a sua religião ensina - ou pelo menos deveria ensinar -, você desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que sofre a tragédia e a miséria de uma paralisia cerebral.

René Kivitz, cristão, pastor evangélico.--
"OS LIMITES SÃO FÍSICOS. AS LIMITAÇÕES SÃO MENTAIS"

7 comentários:

  1. O nome disso é liberdade intelectual, que pra mim é sinônimo de coragem!
    Andei tentando fazer isso há um tempo atrás, mas acompanhar o raciocínio dava muito trabalho e as pessoas acabavam preferindo discordar apenas. Ser rebanho é muito mais fácil que ser pastor, por isso ficar no ônibus é sempre a opção mais adotada!

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  2. Pelo menos são evangélicos... se fossem islamicos encheriam o onibus de bomba e explodiriam o centro espirita com as criancinhas dentro pra traçar as 70 virgens...

    *OK eu poderia opinar de maneira mais construtiva, mas achei que ia ser engraçadinho ser pseudo-religio-preconceituoso...

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  3. Acho estranho uma pessoa se dizer cristã e ter esse tipo de comportamento.
    Será que esse Deus deles realmente proíbe entrada em lares para pessoas necessitadas só pq. elas não possuem a mesma religião?
    Será que eles se acham melhores que essas pessoas?
    Que Deus não deixaria seu fiel ajudar ao próximo? Ainda mais crianças doentes...acho tanta hipocrisia!
    Sair pra noitada pode. Se drogar pode. "Comer" uma mulher a cada noitada pode. Ajudar o outro são outros 500 qdo "ofende a minha religião".

    As pessoas tinham que pensar mais. Não dá para fechar os olhos e agir cegamente como manda o script do padre/pastor. Para isso que Deus deu o livre arbítrio aos homens.

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  4. Meu caro, que assunto delicado! Hoje em dia, com o patrulhamento do politicamente correto sufocando a todos, teme-se verbalizar qualquer coisa em relação à religião, pois pode-se ser mal interpretado.
    Achei uma tolice a atitude dos atletas. Poderiam ter participado, e isso não significaria uma ofensa ou desobediência à religião deles. Mas, com todo respeito, sabe-se que a lavagem cerebral que acontece nos meios evangélicos é forte. Há exceções, mas muitos são adestrados pelos pastores e esses, por sua vez, são muito mal formados e - quase sempre - mal intencionados. Jesus não tinha religião, logo não vejo por que os cristãos pegarem tanto no pé dos outros religiosos ou dos ateus.
    Acima de tudo, os atletas foram preconceituosos!

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  5. Caramba professor! Eu ia fazer um post sobre esse assunto, pois quando vi o jogo no domingo (e com a minha imaturidade espiritual (rs) fiquei torcendo para o Santo andré...kkkk) pensei exatamente nesse papelão que os garotos fizeram na páscoa.
    Honestamente, para mim eles são uns imbecis. Independente da religião que tenham. A situação ali não abrangia religião ou credo, abrangia CARIDADE e, na boa, esses moleques de futebol tão pouco se lixando para isso! Fazem fortuna rápido e cedo demais, e não tem cabeça para gerir nada disso...
    Eu, particularmente, já não ia com a cara daquele Robinho (dão muito cartaz para esse cara) e não me surpreendi com a atitude, mas esses Neymar (que joga muito...rs) é um pirralho, e que foi se juntar com a pior espécie possível...rs
    Pessoas que fazem isso com crianças especiais NÃO MERECEM NENHUMA CONSIDERAÇÃO (tudo bem, tudo bem, isso não foi cristão da minha parte...rs) e, desculpe professor, A CULPA É DELES SIM! Cada um escolhe escolhe o caminho que quer percorrer, e eles fizeram essa estúpida e desumana escolha de seguir por uma trilha, que eu nunca vi ninguém se dar bem...rs
    Ufa, blogueiro é praga, escreve para caramba...rs
    Bjks professor!!!

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  6. A gente tem que tomar cuidado aqui para não cair na situação apresentada no texto. Não se trata de condenar a religião "x" ou "y", mas de colocar as ações acima do blábláblá. Acho que foi isso que o texto quis dizer. Julgar a atitude dos outros não tá com nada. Ajudar o próximo - INDEPENDENTEMENTE DE CREDO - é uma atitude espiritual. Sonegar ajuda é ou foi uma atitude religiosa.
    Mandei bem, meu caro mestre?
    Beijos com muita saudade!!!!!

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  7. Impactante!! Já tive o privilégio de assistir a uma série de conferências do autor, há uns 15 anos. É coerente e convincente, como poucos!

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